Por Merval Pereira - Publicado no Blog do Merval
Têm sido mais comuns do que desejaríamos os sinais de que o ensino de
Matemática entre nós está abaixo das necessidades do país, de que são
exemplos os dados disponíveis, que mostram uma aprovação de apenas 42,8%
dos alunos do 3 ano do ensino fundamental com os conhecimentos básicos
de matemática.
Em apenas 35 cidades do país, mais da metade dos
alunos do 9 ano do ensino fundamental sabem matemática, teriam nota
superior a 5.
Apenas 11% dos jovens que alcançam a 3 série do ensino médio têm aprendizado suficiente na matéria.
Roberto
Boclin, Doutor em Educação e Chefe de Gabinete da Secretaria de Ciência
e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, considera que a questão da
educação, complexa por si só, “envolve pensamentos políticos que
tangenciam o absurdo como currículo único obrigatório na Educação Básica
brasileira". como se o País fosse igual, Norte, Sul, Leste e Oeste, não
que sejam melhores ou piores, mas distintos em suas tradições,
culturas, educação e progresso econômico e social”.
Por outro lado, destaca que “um currículo com 12 disciplinas, nem na Ásia”.
Para
ele, os currículos deveriam oferecer “oportunidades de interesse
diversificado, variando entre eles pelo menos de 30% a 60% dos
conteúdos, com no máximo 5 disciplinas, de modo a atraírem candidatos
com propostas mais adequadas às suas realidades e vocações e assim não
abandonarem o curso no meio por absoluta falta de interesse”.
Como o
Ensino Médio é prioridade, pois do seu êxito dependem os caminhos do
ensino superior ou do emprego futuro dos candidatos, “são completamente
inaceitáveis evasões de 50 a 60 % dos alunos ingressantes, muitos ainda
no primeiro ano”.
As estatísticas oficiais apontam que de cada 100
alunos ingressantes no primeiro ano do Ensino Fundamental, menos de 10
ingressam no ensino superior público.
Boclin diz que “basta olhar
para os outros, como os Países Asiáticos, a Finlândia e historicamente a
Alemanha que encontraremos inúmeros modelos que poderão transformar a
educação brasileira”.
Quando acabar a maré favorável dos preços na
exportação das Commodities, e for preciso competir na indústria da
transformação, “a formação profissional será essencial”, destaca Boclin.
Para além dos vexames internacionais em exames como o do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), onde nossos
representantes ficaram na 57ª colocação, à frente apenas de alunos de
outros oito países, o professor Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira
de Letras e ex-secretário de Educação do Rio, que selecionou os exemplos
da abertura da coluna, vê uma indicação de que perdemos competitividade
num mundo cada vez mais dominado pela alta tecnologia, onde a
Matemática tem importância fundamental.
“Não resta dúvida sobre a
utilidade de seu aprendizado, mesmo para aqueles que não se destinam às
carreiras técnicas. Conhecer seus pormenores faz bem até quando o
estudante deseja, por exemplo, escolher um curso de filosofia. Platão
não foi filósofo e matemático?”, analisa Niskier.
Ele ressalta que o
cérebro humano, com seus reconhecidos 100 bilhões de neurônios,
“evoluiu para lidar com o mundo físico e se utiliza da linguagem
matemática para cumprir a sua finalidade, nas questões do pensamento”.
Niskier
destaca o papel da lógica em todo esse processo – um dos pontos do
exame Pisa, por sinal – citando o cientista da computação dos Estados
Unidos Jeff Raskin: “A lógica humana nos foi trazida pelo mundo físico, e
é, portanto, concordante com ele. A matemática deriva da lógica. É por
isso que a Matemática é concordante com o mundo físico”.
O professor
Arnaldo Niskier ressalta que “mesmo trabalhando com incertezas, a
ciência dos números tem verdades inabaláveis, como é o caso da geometria
euclidiana, hoje tão acreditada como há 300 anos a.C.
“A ciência tem cerca de 4 000 anos de vida. Quando é que vamos despertar para o valor disso tudo?”.
Também
Francisco Antonio Doria, Professor da Coppe/UFRJ, matemático e
filósofo, membro da Academia Brasileira de Filosofia, toma um exemplo do
dia a dia para falar do nosso déficit de Matemática: “Pega um
smartphone. Clica em cima do ícone do GPS - distraído, quase sem pensar.
Aparecem logo o mapinha e o alfinete virtual que mostram onde você
está. Com precisão de centímetros. Por trás desse pequeno milagre da
tecnologia está, entre outras coisas, uma das teorias mais abstratas da
ciência moderna”.
Ele se refere à Teoria da relatividade, que
Einstein anunciou e publicou em 1915. Quando foi anunciada, há quase um
século, ensina Doria, era “tão pesadamente matemática, tão complexa, tão
fora do senso comum, que, dizia-se, apenas meia dúzia de pessoas a
compreendiam, naquele tempo”.
O pequeno milagre do GPS, lembra,
apoia-se nesta “ainda misteriosa teoria matemática de 1915, teoria que
faz o GPS funcionar, mas que também nos fala de máquinas do tempo,
buracos negros, universos paralelos, coisa na Twilight Zone, série de
ficção científica aqui passada com o nome Alem da Imaginação”.
A
matemática manda em nossas vidas, hoje em dia, e nós mal nos tocamos a
respeito, comenta Francisco Doria, que passa a relacionar: as taxas de
juros que o Banco Central fixa surgem de uma técnica chamada teoria das
metas de inflação, fortemente matemática; computadores funcionam com
algoritmos, “e os primeiros exemplos de algoritmos aparecem numa outra
área rarefeita, hiperabstrata, da ciência do século XX, a lógica
matemática”.
Francisco Doria é autor, com Greg Chaitin e Newton da
Costa, do livro “Gödel's Way”, (Taylor & Francis 2012), onde explica
a história “divertida” de Kurt Gödel, matemático vienense, “notório por
seu brilho, suas conversas nos cafés, e porque nos seminários aos quais
comparecia sempre havia uma moça bonitinha atrás dele, e acabou casando
com uma que conheceu num cabaré”.
Em 1931, anunciou um resultado
“tão obscuro e complicado, que dizia de uma espécie de impossibilidade
de se esgotar as verdades matemáticas, o teorema da incompletude de
Gödel''.
Entre as técnicas usadas para demonstrar seu resultado
estão algoritmos - como os que fazem funcionar smartphones e
computadores.
“Mistura de abstrato e concreto que só a matemática possui”, define Doria.
Para
ele, “vivemos num mundo imerso em uma matemática, pesada, obscura,
difícil - e mal o percebemos. E muito menos no Brasil, onde tem gente
que ainda acha que computador é maquininha de jogar games”.
O
filósofo Francisco Doria não tem dúvidas: “Talento e habilidade
matemáticas são essenciais para se fazer capitalismo, para o crescimento
econômico - e disso o Brasil tem muito pouco”.
Ainda estamos, diz ele, “à margem do que movimenta, empurra, o mundo contemporâneo”.
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